quinta-feira, 26 de junho de 2008

ARTIGOS DA HORA SOCIALISTA

Ricos perderam medos dos pobres
18/06/2008

Por Plínio de Arruda Sampaio

A alta dos preços dos alimentos veio para ficar. Conseqüentemente, estamos de novo diante da perspectiva de crises de fome aguda nos países mais pobres. Perspectiva semelhante, em 1975, deu lugar à Conferência Mundial da Alimentação, cujas propostas para evitar a repetição do fenômeno deram em nada.

Desta vez, os países ricos não se viram na necessidade de montar outra farsa como a de 1975. Em três dias, os chefes de 43 Estados reuniram-se em Roma e despacharam o assunto.

Ao pedido de 30 bilhões de dólares para enfrentar o problema, feito pelo diretor geral da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação), a resposta dos chefes de Estado foi assim: toma dez e não se fala mais no assunto.

O episódio é bem indicativo dos tempos que estamos vivendo: "os ricos perderam mesmo o medo dos pobres", escreveu Eric Hobsbawm, em 1989.

Podemos, portanto, preparar-nos para ver novamente nos noticiários da televisão o triste desfile de multidões de crianças famintas e de adultos esquálidos.

Contudo, convém ponderar que o resultado da reunião de Roma, salvo enquanto revelador da conduta dos países mais ricos do mundo diante de uma mortandade anunciada, não altera essencialmente a problemática da fome no mundo.

Se os chefes de governo, em vez de oferecer dez, tivessem oferecido os 30 bilhões solicitados pela FAO, o problema da fome seria temporariamente atenuado, mas não resolvido.

Para resolvê-lo, definitivamente, não basta comprar excedentes da produção dos países ricos e enviar comboios com alimentos para as regiões de fome aguda. Na lógica do capitalismo, isto pode ser até um bom negócio para as multinacionais do "agrobusiness".

Fome resolve-se com reforma agrária; planejamento agrícola; preços administrados; educação e saúde para a população do campo.

Qualquer avanço importante nesse terreno fere imediatamente os poderosos interesses dos grandes proprietários rurais e das multinacionais da agroindústria. Por isso, nenhuma dessas reformas sai do papel.

As classes populares ainda não têm força política para reformar a agricultura capitalista e menos ainda para propor um modelo socialista de desenvolvimento da agricultura.

Quem está, de fato, preocupado em solucionar a questão da fome não pode se iludir com os paliativos propostos nessas reuniões de cúpula e nem imaginar que a humanidade pode se ver livre do fantasma da fome dentro dos marcos do capitalismo. Basta atentar para o fato de que no país capitalista mais rico do mundo, o governo, a fim de garantir renda aos produtores, subsidia os agricultores que deixam de cultivar parte de suas terras. Pois, mesmo com esse enorme potencial de produção alimentar, graves deficiências nutricionais afetam porcentagem significativa de sua população e grandes filas de pessoas com fome formam-se diariamente nos "sopões" da caridade.


* Plinio Arruda Sampaio é advogado, ex-deputado constituinte, presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária) e diretor do jornal Correio da Cidadania.


Nova onda de criminalização do MST
06/05/2008

Altamiro Borges*

Já virou rotina o mês de abril ser marcado por furiosos ataques da direita fascista e de sua mídia venal contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Neste período, em homenagem aos 19 camponeses mortos impunemente no Massacre de Eldorado do Carajás, em 17 de abril de 1996, o MST realiza a “jornada de luta pela reforma agrária”, com ocupações de terras ociosas, bloqueios de estradas e marchas de protesto no país inteiro. Para desqualificar os manifestantes e criar o clima de pânico na sociedade, a mídia já rotulou este mês como o “abril vermelho”. Nem sequer os motivos e as reivindicações dos sem-terra são apresentados à população.

Neste ano, no texto “porque estamos em luta”, o MST explica as razões da jornada. “A reforma agrária está parada. Cresce a concentração fundiária, os assentados não recebem apoio efetivo, aumenta a violência contra os sem-terra e a impunidade dos latifundiários e do agronegócio. 150 mil famílias rurais continuam acampadas, as empresas de agronegócio avançam sobre o território brasileiro, conquistando terras que deveriam ser destinadas aos trabalhadores rurais. O governo tem dado prioridade ao agronegócio. Só o Banco do Banco emprestou 7 bilhões de dólares para 13 grupos econômicos, enquanto nossos assentamentos não recebem investimento suficiente”.

Além das críticas, a jornada apresenta suas exigências. “Retomada das desapropriações de terra; plano emergencial de assentamento de todas as 150 mil famílias acampadas; alteração do índice de produtividade rural; criação de mecanismo que acelere os trâmites internos para os processos de desapropriação; aprovação do projeto que determina que as fazendas que exploram trabalho escravo sejam destinadas à reforma agrária; destinação das áreas hipotecadas no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal para a reforma agrária; criação de uma linha de crédito especifica para assentamentos, que viabilize a produção de alimentos para a população das cidades”.

Censura e discursos despropositados

Estas e outras justas reivindicações simplesmente são omitidas pela mídia venal. Todo o esforço da direita e dos seus jornalistas de aluguel é para satanizar e isolar o MST. Neste ano, o processo de criminalização atingiu às raias do absurdo. Antes mesmo do “abril vermelho”, os ricos donos da Vale, que participaram da lesiva privatização da ex-estatal, acionaram a Justiça e arrancaram algo inusitado fora dos tempos de ditadura: a censura de um dos coordenadores do MST, João Pedro Stedile. A juíza Patrícia Whately extrapolou a fixar multa de R$ 5 mil caso o dirigente “incite” atos pela reestatização da empresa – algo que ainda hoje é analisado pela própria Justiça.

Já em abril, a cada ocupação de terra ou protesto diante do Incra ou Banco do Brasil, um senador se revezava no plenário para desferir ataques hidrófobos ao MST. Artur Virgilio (PSDB-AM) e Gerson Camata (PMDB-ES) foram os mais histéricos, acusando os manifestantes de “bandidos” e “terroristas”. Na seqüência, o novo presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, aproveitou a sua posse para, segundo leitura da mídia, atacar os sem-terra. O ministro elogiou a democracia nativa, “ainda que alguns movimentos sociais de caráter fortemente reivindicatório atuem, às vezes, na fronteira da legalidade... Nesses casos, é preciso que haja firmeza por parte das autoridades”, aconselhou, quase que num recado ao presidente Lula, presente na solenidade.

Terrorismo midiático da TV Globo

A criminalização maior do MST, porém, partiu novamente da mídia burguesa. Jornais, revistas, rádios e telejornais destilaram veneno contra a “jornada de luta pela reforma agrária”. O “abril vermelho” ocupou os principais noticiários sempre com abordagens negativas. Os manifestantes foram execrados como arruaceiros, violentos e inimigos da sagrada propriedade privada. Como registrou Marcelo Salles, editor do Fazendo Média, o ataque mais virulento coube à TV Globo.

Numa das várias “reportagens” do Jornal Nacional, “nos dois minutos e vinte quatro segundos da matéria busca-se a criminalização do MST. Para tanto, as imagens e palavras são articuladas para transmitir ao telespectador a idéia de que seus militantes são responsáveis por todo o medo que ronda o Pará. Logo na abertura, o fundo escurecido por trás do apresentador exibe a sombra de três camponeses portando ferramentas de trabalho em posições ameaçadoras, como a destruir a cerca cuidadosamente iluminada pelo departamento de arte da emissora... Em nenhum momento os dirigentes do MST são ouvidos, o que contraria o próprio manual de jornalismo da Globo”.

Obsessão editorial da revista Veja

Quanto à asquerosa revista Veja, desta vez ela não deu capa para demonizar o MST – como uma em que João Pedro Stedile aparece como o próprio molock. Mas nem precisava. O seu ódio à luta pela reforma agrária já é notório. Um excelente estudo de Cássio Guilherme, intitulado “Revista Veja e o MST durante o governo Lula”, comprova que a publicação da famíglia Civita tem como obsessão editorial atacar os sem-terra. Ele acompanhou a cobertura da revista desde a criação do movimento, em janeiro de 1984. Num primeiro momento, ela até tentou cooptar o MST, tratando seus militantes como “coitadinhos, pés-descalços, analfabetos, que lutam por um simples pedaço de chão. Tal atitude por parte da revista teve a deliberada intenção de neutralizar as suas forças”.

Como não conseguiu o seu intento, ela passou a atacar sistematicamente o movimento. “Como o MST sobreviveu e continuou crescendo, a alternativa foi satanizar o movimento. Passou-se a dar destaque para toda e qualquer conseqüência negativas das suas ações. A revista usou de diversos clichês preconceituosos, fazendo o julgamento social de seus integrantes. Termos como invasão, baderna e arcaico passaram a ser correntes nas reportagens. Visavam esteriotipar o movimento como atrasado e antidemocrático, inclusive associando-a a figura de Lula, o principal adversário nas corridas presidenciais”. A detalhada pesquisa, de quem teve estômago para acompanhar suas edições, confirma que a criminalização do MST é um dos principais objetivos da direita fascista.

Conforme constatou Cássio Guilherme, para a revista Veja “o MST não quer apenas terras, mas principalmente a tomada do poder; os sem-terra são massa de manobra de seus líderes; as figuras de Che, Fidel e Mao Tse Tung sempre são ligadas de forma pejorativa; confrontos com mortos são culpa única e exclusiva do MST que promove invasões; a reforma agrária é uma utopia do século passado; e não existem mais latifúndios improdutivos no Brasil. Enfim, o MST invade, seqüestra, saqueia, vandaliza, tortura, mata”. Não há nada de jornalismo imparcial, mas sim pura ideologização visando criminalizar um dos principais movimentos sociais do país.


*Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB e autor do livro recém-lançado “Sindicalismo, resistência e alternativas” (Editora Anita Garibaldi).


A farra da legalização da grilagem
03/04/2008Por Ariovaldo Umbelino*A grilagem das terras públicas na Amazônia continua nos noticiários. Agora, se trata da Medida Provisória 422, que dispensa de licitação a venda de terras públicas do INCRA até 1.500 hectares. E, por de traz dela, está a estratégia de ação do agrobanditismo em sua sanha de se apropriar das terras públicas griladas daquela região. Em outro artigo neste site, mostrei que a grilagem das terras públicas da Amazônia sempre veio alimentada pelas políticas públicas dos diferentes governos nos últimos cinqüenta anos. Mas, como a legislação constitucional impede que isso se faça, o caminho passou a ser tentar conseguir através de subterfúgios jurídicos sua legalização. Como a Constituição de 1988, manda compatibilizar a destinação das terras públicas com o plano nacional de reforma agrária, uma nova estratégia passou a ser montada para continuar favorecendo os grileiros do agronegócio.Uma banda podre dos funcionários do INCRA, particularmente os que “cuidam” do Cadastro, passaram a “oferecer” e “reservar” as terras públicas do INCRA para os grileiros e indicar o caminho “legal” para obtê-las. Portanto, quem está realizando esta “grilagem legalizada” é uma parte dos próprios funcionários corruptos do INCRA e dos órgãos estaduais de terra. A denúncia destes fatos, já levou a Polícia Federal a fazer a Operação Faroeste no Pará e o Ministério Público Federal mover ação para cancelar os “assentamentos da reforma agrária laranja” da regional do INCRA de Santarém-PA. O motivo é sempre o mesmo: a tentativa de “oficializar” a grilagem das terras públicas.Em 2003, o INCRA possuía na Amazônia Legal mais de 60 milhões hectares, assim distribuídas pelos estados: Amazonas 20,9 milhões de hectares; Pará 17,9 milhões; Roraima 9,2 milhões; Acre 6,2 milhões; Mato Grosso 5,7 milhões; Rondônia 4,9 milhões; Maranhão 1,7 milhões e Tocantins 1 milhão de hectares.Entretanto, os grileiros do agrobanditismo “cercaram e se apropriaram privadamente” de tudo, pois, os funcionários corruptos do INCRA “venderam” para eles ilegalmente todo este patrimônio público. Agora, estão junto como o governo Lula, propondo “soluções jurídicas” para legalizar o crime cometido. A história é a seguinte.No final do ano de 2005, conseguiram através do artigo 118 da Lei nº 11.196 de 21/11/2005 (a chamada “Medida Provisória do bem”) alterar a lei de licitações públicas (Lei Nº 8.666, de 21/06/1993) conseguindo a permissão para regularizar, através da venda, a aqueles que tinham grilado as terras públicas do INCRA na Amazônia Legal com área de até 500 hectares. Não custa lembrar que o artigo 191 da Constituição de 1988, autoriza a posse apenas até 50 hectares, quando a terra é devoluta, porque as terras públicas não são passíveis de usucapião (artigo 200 do Decreto-Lei 9760 05/09/1946, § 3º do artigo 183 da Constituição de 1988).Em 17/05/2006 o INCRA baixou a Instrução Normativa nº 32, que fixou os procedimentos legais para que este crime da grilagem das terras públicas até 500 hectares pudesse começar a ser legalizado. Era o início da farra da legalização da grilagem.Mas, a banda podre dos funcionários do INCRA não se deu por satisfeita, e, afrontando a Constituição que manda destinar as terras públicas para a reforma agrária, baixou a Instrução Normativa nº 41 em 11 de junho de 2007 (publicada no DOU em 18/06/2007) estabelecendo “critérios e procedimentos administrativos referentes à alienação de terras públicas em áreas acima de 500 hectares limitadas a 15 (quinze) módulos fiscais mediante concorrência pública.”Mas, a sordidez destes delapidadores do patrimônio público não tem limite. Primeiro, com auxílio do agrobanditismo paraense, conseguiram que o deputado Asdrúbal Bentes (PMDB) apresentasse em 24/10/2008 um projeto de lei que ampliava para até 15 módulos fiscais (mais ou menos 1.500 hectares) a dispensa de licitação e conseqüente autorização para venda aos grileiros das terras do INCRA.Agora, a desfaçatez do governo do PT parece que não tem mais limite. Lula e Cassel, descaradamente, em nome da reivindicação da base aliada, transformaram (plagiaram) o projeto de lei do deputado Asdrúbal Bentes, na Medida Provisória nº 422. Assim, esta MP que já está em vigor, altera novamente a Lei nº 8.666, permitindo a dispensa de licitação para alienar os imóveis públicos da União até 15 módulos fiscais.Isto quer dizer que, como 39% da área dos municípios da Amazônia Legal têm módulos fiscais de 100 hectares, esta dispensa de licitação atingirá áreas griladas até 1.500 hectares. Estes municípios estão principalmente nos estados do Amazonas, Acre, Roraima, Mato Grosso e Pará, todos repletos de exemplos da grilagem de terras do INCRA. Outros 38% da área dos municípios que têm módulos entre 75 e 90 hectares, e, a dispensa de licitação atingirá áreas griladas entre 1.125 e 1.350 hectares dos estados anteriores e do Tocantins e Maranhão. Ou seja, as terras griladas que serão regularizadas têm área acima de mil hectares, e é o próprio INCRA que reconhece o crime lesa pátria: “assim, entre 70 e 80% das posses de até 15 módulos fiscais estará em torno de 1000 ha, ou menos” in “A MP 422 legaliza e protege a floresta” (http://www.incra.gov.br).A audácia do diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do INCRA, Roberto Kiel, é de uma adesão total ao agrobanditismo: “agora eles poderão comprar do governo federal as terras que já ocupavam há anos e não vão precisar de concorrer com outros interessados” in “Assinada MP para regularização fundiária da Amazônia” (http://www.incra.gov.br).Outra parte desta engenhosa operação para legalização da grilagem de terras do INCRA na Amazônia Legal foi o aproveitamento do aumento do desmatamento naquela região para fazer o recadastramento dos imóveis. Ele vai permitir que os grileiros que ainda não tinham cadastrados as terras públicas que grilaram até dezembro de 2004, pudessem agora fazê-lo, e assim se habilitarem para “comprar” as terras griladas sem licitação. Aliás, a notícia no site do INCRA sobre o recadastramento já, de forma absurda reconhece os grileiros como posseiros: “Os donos ou posseiros de áreas maiores que quatro módulos fiscais [...] terão que levar ao Incra, de 3 de março a 2 de abril, documentos que comprovem a titularidade ou posse pacífica da terra, plantas e memoriais descritivos com a correta localização geográfica dos imóveis rurais” (http://www.incra.gov.br).Dessa forma, é preciso deixar claro que as verdadeiras posses das famílias camponesas ribeirinhas ou não na Amazônia não ocupam mais de 100 hectares, portanto, estes atos do INCRA são para regularizarem as grilagens das terras públicas do próprio INCRA que seus funcionários corruptos “venderam” para ao agrobanditismo. Vale lembrar que apenas duas vezes na história do Brasil a grande posse foi legalizada, na Lei de Terra de 1850 e na ditadura militar entre 1964/1984. Por isso volto a repetir, a MP 422 é uma afronta aos princípios constitucionais e ao patrimônio público: o governo Lula está fazendo o que nenhum governo, depois dos militares, fez, “vendendo” ao agronegócio/agrobanditismo mais de 60 milhões de hectares de terras públicas do INCRA na Amazônia que deveriam ser reservadas para a REFORMA AGRÁRIA, à demarcação de terras indígenas e ou quilombolas, e a criação de unidades de conservação ambiental. PELA REVOGAÇÃO IMEDIATA DA MP 422. *Professor titular de Geografia Agrária, do Departamento de Geografia da USP (Universidade de São Paulo).
Capital e Trabalho em Parauapebas
15/04/2008*De Juvêncio de Arruda A Vale não é apenas uma grande produtora de minério. Ela é também grande produtora de reclamações trabalhistas. Mantida a tendência atual, serão dez mil reclamações trabalhistas, distribuídas para as duas Varas do Trabalho de Parauapebas. Pelo que se apurou, recorde absoluto na 8ª Região (Pará e Amapá).Uma dessas Varas foi instalada recentemente e já está abarrotada de reclamações produzidas, ao fim e ao cabo, pela Vale. Esse impacto social não é considerado nos EIA-RIMA. Cada Vara custa mais ou menos um milhão e meio de reais por ano.Para a Vale não é nada. Para a Justiça do Trabalho é muito, pois esse dinheiro poderia ser melhor aplicado para atender outras áreas mais necessitadas, inclusive do Sul do Pará (Xinguara e adjacências, por exemplo).O jogo é o seguinte. A lei e a jurisprudência pacífica dizem que o tempo que o trabalhador gasta para chegar ao trabalho em transporte fornecido pelo empregador em lugar de difícil acesso ou sem transporte público regular de passageiros deve ser computado na jornada de trabalho. Em juridiquês: horas in itinere.Em vernáculo são horas no percurso mesmo. Em latim ou vernáculo, é o tempo à disposição do empregador e deve ser remunerado, como horas extraordinárias inclusive, quando ultrapassar a jornada normal de trabalho.Como a Vale sabe muito bem, parte de suas minas estão no interior da Floresta Nacional de Carajás. Floresta Nacional é uma categoria de manejo que, conforme as regras do direito ambiental, deve ser gerenciada de forma muito estrita. Assim, atividade econômica só é possível sob certos e estreitíssimos limites, como foi o caso da Província Mineral de Carajás, exploração econômica ressalvada já no decreto de criação dessa Floresta Nacional. Ainda segundo esse mesmo direito ambiental, essa Floresta Nacional tem que ser gerida conforme plano de manejo e seu regimento.No caso de Carajás o IBAMA delegou competência para a Vale gerir a Floresta Nacional. Nela simplesmente não é viável o transporte público regular de passageiros, porque o ingresso tem que ser rigorosamente controlado.A Vale sabe disso porque foi ela que mandou fazer e é ela que tem de cumprir - e fazer cumprir - o plano de manejo.Não é possível pegar um táxi em Parauapebas e dizer para o taxista: "me leva na Mina N-4 que eu quero bater um papo com o operador de um Haupak (aqueles caminhões gigantes) amigo meu."Ou ficar na parada esperando pelo ônibus que vai para a Mina do Igarapé Bahia para flanar nos arredores da área minerada, em uma tarde de sol. Até as hematitas sabem disso tudo.Mas a Vale tem a cara-de-pau de dizer, inclusive quando se defende nas reclamações trabalhistas, que tem transporte público regular de passageiros para qualquer de suas minas. Confessa nos processos a prática de uma ilicitude, de uma irregularidade administrativa, com a maior sem cerimônia.Mas ela não está só nessa esquisitice, porque alguns sindicatos também dizem a mesma coisa. Dizem e escrevem. E escrevem em convenções e acordos coletivos de trabalhado. Tudo para que as empresas fiquem dispensadas de pagar essas horas no percurso. Ótimo para as empresas. Péssimo para os trabalhadores. Já não se fazem mais sindicatos como antigamente.Especialistas calculam que as empresas economizem algo entre 10 a 12% da folha de salários só com essa manobra.Como boa parte dos trabalhadores prefere nada reclamar - temem entrar nas listas sujas e nos fechamentos de canteiros, prática que impede a contratação de quem reclama seus direitos na Justiça do Trabalho - calcula-se, grosso modo, que só a metade o faça.Ainda assim, serão aproximadamente dez mil reclamações este ano de 2008, pelo andar da carruagem.Os juízes trabalhistas de Parauapebas realizaram uma inspeção judicial de quase trinta horas de duração. Fizeram todos os percursos que os trabalhadores fazem diariamente, em todos os horários possíveis, nos mesmos ônibus que eles usam, fornecidos pelas empresas que os empregam.Concluíram que não havia transporte público regular de passageiros, obviamente. Mediram o tempo de cada percurso. Essa inspeção judicial serviu de base para condenações sucessivas daí por diante. Mas ainda assim as empresas estão no lucro, porque menos da metade dos trabalhadores reclamam esse direito.E como elas recorrem, tem chance de reverter no Tribunal parte dessas condenações. Ganham sempre as empresas. Perdem sempre os trabalhadores, coletivamente considerados.Mas também ganham sempre os advogados que fazem essas reclamações em doses industriais, alguns dos quais são advogados também dos sindicatos dos trabalhadores, os mesmos que fizeram acordos e convenções coletivas nulas (de pleno direito ou, como gostam de dizer os advogados, de pleno jure).Assim, do casamento da Vale e suas empreiteiras com os sindicatos e advogados de trabalhadores de Parauapebas vão nascer este ano dez mil reclamações trabalhistas na capital brasileira do minério.Todos contratam um passivo trabalhista que sabem de antemão reduzido para menos da metade, podendo chegar a um quarto dele, tudo correndo normalmente.Claro que isso tudo é jogo jogado. Quem é do ramo sabe. Mas os trabalhadores, coitados, não sabem disso, exceto um ou outro que participe do jogo pelo lado de dentro e conscientemente espere a hora adequada para reclamar, que pode ser nunca, pois a prescrição é curta (dois ou cinco anos, no máximo). E la nave va, com seus personagens fellinianos embarcados.É aí que entra a ação civil pública do Ministério Público do Trabalho contra a Vale e mais quarenta e tantas empreiteiras (e terceirizadas), que o blog noticiou.É uma tentativa de resolver por atacado o problema, que estava até então sendo resolvido no varejo dessas dez mil reclamações trabalhistas.Por isso o juiz da Primeira Vara do Trabalho, Jônatas Andrade, determinou a suspensão de todas as reclamações individuais - dessa Vara, bem entendido - até que ele decida a ação civil pública.Que a Vale e suas empreiteiras e terceirizadas resistam a essa decisão tudo bem, está dentro do esperado e até das regras do jogo.Mas é estranho que elas arguam a suspeição de todos os juízes do Fórum Trabalhista de Parauapebas.Também é esquisito é que os advogados dos trabalhadores esperneiem, ficando do mesmo lado da Vale e de suas empreiteiras e terceirizadas.Aí o jogo fica escancarado demais.Aparentemente, os advogados temem perder uma imensa galinha e seus dez mil ovos de ouro. Temem, ao que parece, que a Justiça resolva mandar pagar diretamente aos trabalhadores e eles percam seus preciosos honorários, que é o que, bem contadas as favas, interessa mesmo.O temor parece vão, porque basta que eles, em nome de seus clientes, se habilitem na ação civil pública e nela recebam o que for devido. Se nada for devido, paciência, nada terão para receber na ação civil pública, e esse um risco concreto e possível. Que eles, compreensivelmente, não querem correr.Por isso preferem o varejo dos dez mil ovos de ouro, pois nesse caso são dez mil chances de ganhar ou perder, dividido por quatro (a quantidade de Turmas do Tribunal Regional).As sete turmas do Tribunal Superior do Trabalho não entram nessa conta porque dificilmente essa matéria chegará a elas com possibilidade de modificação, já que se discute basicamente fato e no TST só se discute direito.Só falta agora outra esquisitice: os sindicatos continuarem moitando ou aderirem pelo lado da Vale e de suas empreiteiras e terceirizadas.Se isso acontecer, podem fechar o movimento sindical de Parauapebas para balanço.*Juvêncio de Arruda é jornalista e escreve em "5ª Emenda - MÍDIA, POLÍTICA E CULTURA" (http://quintaemenda.blogspot.com/ )

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